Após explorar as especificidades do policiamento com equinos na tropa, é hora de conhecer melhor o trabalho do Canil Tiradentes da Polícia Militar de Alagoas (PM-AL), localizado na capital, e as atividades com cavalos e cães no 3º Batalhão (BPM), sediado em Arapiraca.
Esta é a última parte da reportagem sobre histórias do emprego de animais, desde as ações policiais até a aposentadoria deles.
Kyón + téchni: a cinotecnia como missão
O termo kyón significa “cão”. Téchni, significa “arte”. De origem grega, juntos, formam o verbete cinotecnia, que é o conjunto de conhecimentos e técnicas relacionadas ao treinamento, manejo e reprodução de cães com uma finalidade específica, neste caso, emprego militar. É um conceito muito bem dominado pelo efetivo alagoano, que a cada ano tem se tornado referência no país.
Fundado em maio de 1992, o Canil Tiradentes atualmente faz parte da Companhia Independente de Policiamento de Choque (CPChoque), sendo um de seus grupamentos. O plantel conta com representantes das raças Rottweiler, Labrador, Pastor Alemão e Pastor Belga Malinois. Em outubro de 2024, contava com 19 cães distribuídos entre as funções de guarda e proteção, patrulhamento (K-9), interação social e faro. Estes últimos se subdividem em duas aptidões distintas: identificar narcóticos, armas e munições, e realizar varredura e detecção de explosivos. A interação social é uma área de atuação que tem se fortalecido ao longo dos anos.
Embora não esteja diretamente ligada ao combate ao crime, essa abordagem representa uma importante ferramenta para estreitar laços com a sociedade. Isso é feito por meio de palestras, visitas, demonstrações e interações com crianças, entidades, escolas e instituições.
A incorporação de um animal ao canil pode ocorrer de três maneiras distintas: por doação, por ninhada ou por licitação. Na primeira, são animais oferecidos por cidadãos ou entidades para ajudar nas atividades do canil. Para isso, são observados critérios e protocolos para assegurar que o animal pode ser empregado no serviço. Na segunda maneira, por ninhada, são os filhotes nascidos no próprio canil ou a partir de cruzamentos de animais já selecionados para treinamento, a exemplo de espécimes do canil da Polícia Penal. Na terceira forma, é por meio de um processo licitatório, de concorrência pública.
Desde filhote, os animais têm suas aptidões criteriosamente avaliadas para poderem passar pelo processo de formação e condução com os militares especializados. Diariamente, a rotina no canil é regida por disciplina rigorosa e padrões estabelecidos. Cada ação e equipamento são planejados nos mínimos detalhes para o efetivo canino. O corpo técnico é um grande diferencial em Alagoas, entre os nomes mencionados pelo comandante, tenente André Costa, estão os sargentos William Gomes, Emerson Santos e Arthur Acioli.
Um número significativo de policiais já foi enviado a unidades militares em todo o país em busca de especialização. “Esse conjunto de esforços resulta em um trabalho de excelência, fazendo do canil alagoano uma referência tanto local, quanto nacional com grande confiabilidade perante instituições como a Polícia Federal”, destacou o tenente Costa.
Pipoca, uma cadelinha que rompeu padrões
No interior de Alagoas, mais precisamente no 3º Batalhão de Polícia Militar (BPM), em Arapiraca, também existe o policiamento com o emprego de animais. A Cavalaria e o Canil contam com, respectivamente, 12 cavalos e 10 cães. O tenente Murilo Gonçalves, que responde por ambos, sintetiza as ações desenvolvidas continuamente, seja no campo operacional ou social.
“Temos o projeto Centauros Mirins, realizado em parceria com o Pelotão Mirim, que oferece aulas de Equitação para crianças, visando à iniciação no Hipismo. Com nossos cavalos, atendemos instituições que assistem pessoas com deficiência, filhos de militares, idosos e diversos outros públicos. Também realizamos visitas a escolas e participamos de eventos para crianças e adolescentes da região com nossos cães. Além disso, atuamos no combate ao tráfico de drogas em todo o Agreste e Sertão alagoano, em colaboração com outras unidades da PM e com instituições como a Polícia Rodoviária Federal. No âmbito da Cavalaria, atuamos em praças desportivas e no controle de distúrbios civis, entre outras atividades”, resumiu o oficial do Agreste.
E é de lá que vem uma personagem sem pedigree ou linhagem operacional, mas com um carisma inquestionável. Diferente do estereótipo de cão policial, ela se tornou a sensação dos eventos e atividades com o público civil. Incomum aos protocolos, caiu nas graças da criançada e se transformou em uma figura importante na aproximação da Corporação com a comunidade. Uma cadelinha sem raça definida, a popular vira-lata. Com cerca de seis meses, é pura energia e atende pelo nome de Pipoca.
“Quando tinha aproximadamente um mês de vida, ela foi achada na rua, em uma área de risco, durante uma ação das equipes do Serviço de Inteligência. Levaram a filhote para o Canil com a intenção inicial de achar um lar para adoção, mas a afeição falou mais alto. Como amantes dos cães, claro, não negaríamos o acolhimento. Recepcionamos, cuidamos, demos água e alimento. Tentamos com diversas pessoas, e geralmente não é difícil encontrar interessados!, conta Gonçalves.
“Não sei se por capricho do destino, mas ela foi ficando, até que, em um determinado momento, durante um evento no batalhão, apresentamos ela às crianças e foi amor à primeira vista. Percebemos que era ideal para esse tipo de trabalho, um dos nossos objetivos. Como já tínhamos nos afeiçoado, desistimos de tentar a adoção. Hoje, ela faz parte do nosso plantel”, relembrou o tenente.
Mas nem só de festa é feita a vida. Como boa soldado no quartel, está recebendo adestramento e abraçou a missão de interação social. Obedece com vibração e energia a comandos como sentar, deitar e pegar, e cumpre, como só ela sabe, a função de estreitar os laços da instituição com a sociedade. O Canil do 3º BPM já iniciou os trâmites para fazer de Pipoca um animal devidamente registrado como integrante da Briosa.
Galeria de heróis de quatro patas
Na atualidade, Radasha, Hector e Bruce são exemplos de exímios farejadores, mas ao longo de mais de três décadas de atuação, o Canil Tiradentes, sediado na parte alta de Maceió, revelou grandes nomes. Dois deles, são o já falecido Danka e a veterana Bela, carinhosamente chamada de Belinha.
O Pastor Alemão foi eternizado na sede do Canil. É de Danka a estátua erguida na entrada do quartel. “Eu estava presente e nunca esquecerei desse dia.” A declaração veio do atual comandante do Canil, tenente André Costa, cujos mais de 30 anos de carreira são dedicados ao policiamento com cães: “No dia nove de dezembro de 2012, a atuação de Danka nos ajudou a localizar o menino Cauã, de nove anos, desaparecido há dois dias em uma mata no município de Teotonio Vilela. Atualmente, a função de busca e resgate é desenvolvida pelos cães do Corpo de Bombeiros, mas a coragem de Danka será sempre lembrada.”
Já a cadela da raça Labrador Bela passou para a inatividade em janeiro de 2019 e trocou a rotina do quartel pela de uma casa. Seu tutor é Emerson dos Santos, o 3º sargento Santos, que, ao concluir o Curso de Formação de Praças (CFAP) em 2014, foi lotado no Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope).
“No Bope, fui direcionado para o Canil e desde então tive acesso ao treinamento diário. Aprendi muito com militares mais antigos, sempre participando dos treinamentos. Me apaixonei pela função, principalmente pela especialidade dos cães de faro. Comecei a me dedicar e a participar dos treinamentos, ajudando o condutor da Bela, que era o então subtenente Brito, hoje capitão. Após um tempo, fiquei responsável pelo adestramento dela, ainda filhote. Lógico que a gente vai se apegando cada vez mais.”
O sargento sabe que, na vida castrense, a paixão anda lado a lado com a técnica. Por isso, em 2016, Santos foi para Minas Gerais em busca de qualificação. Concluiu com êxito o Curso de Condução de Cães de Faro de Drogas e Explosivos pela PM mineira (PMMG). Embora valorize muito a busca por conhecimento, ele acredita que as Sargento Santos diz que maiores lições vieram da sua relação com a parceira de quatro patas.
“Bela me ensinou a ser cachorreiro”, sentenciou. Ao olhar para trás, o combatente não conteve o arrepio ao falar da última missão da companheira antes de ela seguir para a inatividade. “Ela já tinha certa idade, perto de completar nove anos, no final de 2018, quando bancou 89 quilos de maconha durante a abordagem de um ônibus interestadual em uma rodovia.” Bancar, no linguajar dos cachorreiros, é o mesmo que localizar, detectar. Ele também explicou que o tempo de serviço do animal é de, no máximo, oito anos, podendo prorrogar por mais dois, em caso de extrema necessidade, não ultrapassando os 10.
Aposentadoria e aconchego familiar
Há cinco anos, Bela desfruta do calor de um lar. “Quando ela foi para nossa casa, minha família se apaixonou. No dia a dia a gente se apega, trata realmente como um filho, mas lógico, como todo profissionalismo e técnica que a missão requer. No Canil, o carinho tem uma função específica. Quando o cão cumpre uma missão, recebe o brinquedo e o afago como recompensa, seja no treinamento ou em uma ocorrência real. Agora, aposentada, Belinha tem um monte de bolinhas espalhadas pela casa e carinho o dia todo. Ela vai fazer 15 anos e, graças a Deus, continua bem, saudável, só um pouco idosa”, contou o sargento.
Com a chegada da aposentadoria, a cadela militar foi promovida a membro da família, que agora se prepara para receber uma nova integrante. O combatente e amante dos animais está pronto para abraçar a missão da paternidade.
Em dezembro deste ano será pai de uma menina. Angelina ainda vai chegar e não sabe, mas logo conhecerá de perto a lealdade de Belinha. Desde cedo, a pequena aprenderá que, em cada fase da vida, os laços de afeto se renovam.